Nero e Ayame: entendendo as camadas desse relacionamento intenso
- Florencia Hidalgo

- 26 de jul. de 2023
- 3 min de leitura

As histórias de dark romance sempre carregam personagens complexos, motivações tortas e relações que desafiam o leitor. Entre esses universos sombrios, Nero e Ayame se destacam justamente por suas contradições. Ao analisar seus passados, suas escolhas e a forma como se cruzam, é possível entender por que essa dupla desperta tanta curiosidade — e, claro, opiniões divididas.
As similaridades que os unem
Ayame foi encontrada em um bordel chamado Paraíso, onde sobrevivia à sombra de uma família que tentava reivindicar a sua "libertação". Trazia marcas antigas, uma história dura e, ainda assim, um espírito resistente.
Nero a tirou desse lugar — mesmo contra a vontade do Don, líder da família calabresa — e a levou para o seu mundo subterrâneo. Lá, entre seus Cérberos, o grupo de infantaria que comandava, ele tomou uma decisão que mudaria o destino de ambos: transformar Ayame no seu melhor experimento.
É nesse espaço caótico que os dois passam a conviver, cada um carregando suas cicatrizes e uma espécie de escuridão compartilhada.
A ideia de paixão — ou a recusa dela
O mito em torno de Nero — o homem que jamais se apaixonaria — sempre fez parte de sua imagem. E, ao contrário do que muitos poderiam imaginar, Ayame não é a donzela indefesa que segue o enredo clássico.
Ela jamais colheria flores, jamais seria enganada com facilidade. Não foi sequestrada, nem manipulada. Ayame escolheu acompanhar o Psico por vontade própria, consciente do que ele representava e do que aquele caminho exigiria.
Essa escolha, por si só, já subverte a narrativa tradicional da mocinha capturada pelo vilão.
O ponto de virada
Entre suas muitas camadas, Ayame traz consigo uma frase que resume bem sua trajetória:
"Havia um interruptor dentro de mim. Um que ficou desligado até ele me encontrar."
Esse encontro — entre dois mundos quebrados — revela mais sobre identidade e transformação do que sobre romantização da violência. É um mergulho psicológico, não um conto de fadas.
A distorção que move a história
No fundo, a relação entre Nero e Ayame sempre foi construída sobre escolhas tortas, percepções distorcidas e verdades desconfortáveis. Como ilustra a provocação presente na obra:
“Do you really believe I ate the fruit unwillingly?”"Você realmente acreditou que eu comi a fruta sem querer?"
Ayame não é vítima. Não é mártir. Não é inocente. Ela é dona de suas decisões — mesmo quando essas decisões a levam direto ao abismo.
“Nero jamais se apaixonaria”
O mito pessoal de Nero sempre foi o de alguém incapaz de amar. Mas Ayame não corresponde ao papel tradicional da garota capturada. Ela não foi enganada, não foi manipulada: acompanhou o Psico por vontade própria.
Ayame jamais seria o tipo que colhe flores. Ela é ação, escolha e, acima de tudo, consciência. E é justamente isso que distorce o que seria esperado de um romance entre luz e sombra.
"Você realmente acreditou que eu comi a fruta sem querer?"
Ayame sabe exatamente o que faz — e isso muda tudo.
O mito que ecoa na história: Hades e Perséfone
Além da dinâmica entre Nero e Ayame, a narrativa se inspira simbolicamente no mito de Hades e Perséfone, um dos contos mais complexos da mitologia grega.
A versão tradicional do mito
Hades, o deus do submundo, deixou seu domínio para acompanhar uma guerra. Lá, foi flechado por Eros e avistou Perséfone colhendo flores. Apaixonou-se instantaneamente e a raptou, levando-a para o mundo subterrâneo.
Triste com o desaparecimento da filha, Deméter — deusa da colheita — devastou a Terra. Zeus interveio e ordenou que Hades devolvesse Perséfone, permitindo seu retorno apenas se ela não tivesse comido nada no submundo.
Mas havia um detalhe: Perséfone havia comido sementes de romã.
Assim, por ter provado o alimento de Hades, ela foi obrigada a passar parte do ano ao lado dele no submundo e outra parte na superfície com a mãe. Esse ciclo deu origem às estações e transformou Perséfone na deusa da vida e da morte.
O paralelo simbólico com Ayame
"Ayame comia a romã infernal que a prenderia a mim para sempre."
Assim como no mito, a “romã” aqui representa decisão, consciência e, de certa forma, destino. Ayame não é levada — ela permanece. Há algo nela que escolhe esse caminho, mesmo sabendo das consequências.
Essa referência reforça que sua relação com Nero não é apenas circunstancial, mas profundamente conectada a escolhas individuais, ainda que sombrias.
Conclusão
Nero e Ayame não são um casal tradicional. Eles existem no limite: entre a vulnerabilidade e a dureza, entre o trauma e a consciência, entre a luz e a escuridão.
O uso simbólico do mito de Hades e Perséfone não serve para romantizar a violência, mas para explorar camadas psicológicas sobre vontade, identidade e transformação.
É uma história que incomoda, fascina e provoca — exatamente como todo bom dark romance.












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